Tradução: Sérgio A. B. Faria
O Teorema de Gödel e a Inteligência Artificial - Parte III
Penrose
À primeira vista, Penrose utiliza o teorema de Gödel de maneira bastante convincente: uma vez que, como um sistema formal consistente, nós podemos produzir uma fórmula que o sistema não reconhece como verdade (já que é indecidível), mas nós sim, nós somos melhores do que qualquer sistema formal. Então, a AI (inteligencia artificial) é impossível, porque exigiria a construção de um sistema formal (na forma de um programa) que simula a atividade do pensamento humano, mas esse sistema não iria ver a verdade de uma proposição que nós, ao contrário, reconhecemos como verdadeira.
Na verdade, este argumento, trivialmente errado, poderia ser um bom teste para verificar, em um exame, a compreensão de um aluno sobre o Teorema de Gödel e sua demonstração. O problema aqui não é que Penrose não passaria no teste, mas sim o fato de que ele acaba por enganar leitores inexperientes em matemática, embora os advertindo.
De forma mais concisa Francis Crick, Prêmio Nobel de Medicina em 1962 pela descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA, escreveu: "O problema de Penrose parece ser o seguinte. O cérebro pode resolver problemas para os quais sabemos que um algoritmo geral não pode existir."
Então, onde está o problema? Simplesmente por ter esquecido que usou a consistência do sistema para deduzir a verdade de uma fórmula que ela diz de si mesma que não é demonstrável. Por outro lado, se o sistema fosse inconsistente, toda fórmula seria demonstrável, e, portanto, também a contrária: por conseguinte, seria falso, nesse caso. Em outras palavras, nós sabemos somente a verdade condicional (sob a suposição de consistência) de uma fórmula, não a verdade absoluta. E não há nenhuma presunção (mesmo por parte Penrose) em pensar que a mente humana seja capaz de reconhecer consistência dos sistemas formais. O segundo teorema de Gödel nos coloca sob aviso da dificuldade de tal problema: a sua solução requer, para cada sistema formal consistente, se colocar de fora deste mesmo sistema.
Obviamente, a possibilidade de usar seus resultados na discussão sobre a relação entre os sistemas formais (ou programa) e a mente humana não escapou a Gödel que falou de forma muito mais sofisticada e, portanto, menos popular. O argumento de Penrose é, ao contrário apenas um erro grosseiro, entre outras coisas, nem mesmo original: ele ficou famoso nos anos 60 por outra pessoa de fora, o filósofo John Lucas, com razão ridicularizado por Hofstadter em seu livro.
Höfstadter
Quanto a Hofstadter, é fácil reconhecer que seu projeto de usar o teorema de Gödel para argumentar a favor da Inteligência Artificial, é insustentável: ele quer mostrar as possibilidades de computadores, usando um resultado que fala de suas limitações.
Por outro lado, como uma
demonstração da impossibilidade da inteligência artificial pode ser de alguma
utilidade prática, advertindo contra o desperdício de tempo, esforço e dinheiro
numa empreitada impossível, não se pode ver a que serviria uma demonstração da
possibilidade, nem qual demonstração melhor poderia haver do que a realização efetiva do objetivo.
É óbvio que, para Hofstadter,
o teorema de Gödel é nada mais que uma desculpa para implantar o seu repertório
de interesses e um recurso de unificação de sua história (que tem, certamente,
nas intenções e na realização, ambições literárias). O risco de sua
tentativa é que, enfatizando aspectos comuns marginais de diferentes propostas
intelectuais, acaba por fazer passar despercebidas as suas diferenças principais. Isto é demonstrado
pelo exemplo do auto-referenciamento, na fórmula que diz de si mesma que não é
demonstrável, e encontrado por Hofstadter nas mãos que se desenham de Escher,
na chamada do seu proprio nome feita por Bach no final da arte da fuga (usando
a representação de notas alemãs por letras do alfabeto), no processo de
auto-reprodução do ADN, e assim por diante.
Conclusão
O aspecto não convincente de ambos os livros tanto de Hofstadter e como Penrose é que eles são apenas uma tese. Se eles se apresentassem apenas como entretenimento, porque, provavelmente, deram prazer para os autores, enquanto escreviam aquilo que eles sabiam (e, às vezes, até mesmo algo mais), e que, certamente, darão prazer e um monte de novas informações para os leitores, não haveria nada para elogiá-los. Em vez disso eles querem tergiversar a favor ou contra a IA, e eles são forçados a expor, miseravelmente, a irrelevância, para as suas teses principais, de quase tudo o que escreveram.
Deste modo Hofstadter acaba por confessar:! “[O Teorema de Gödel] sugere, embora absolutamente não possa provar, que poderia existir algum ponto de vista mais elevado a partir do qual se possa considerar a mente e o cérebro, que envolve conceitos que não parecem nos níveis inferiores e que pode conter um poder explicativo que não existe, nem mesmo em princípio, nos níveis mais baixos.”
Penrose , então, conclui: "Se nós podemos perceber [através teorema de Gödel] que o papel da consciência é não algorítmico na formação de juízos matemáticos, em que é um fator importante no cálculo e demonstração rigorosa, então, sem dúvida podemos convencer-nos de que este ingrediente não algorítmico poderia ser também crucial para o papel da consciência em situações mais gerais (não-matemáticas)."
Depois de centenas de páginas (em ambos os casos – Penrose e Hofstadter), tudo isto é muito pouco, a menos que não se queira considerar a rota tomada tão importante quanto a conclusão e até, quem sabe, mais importante
No que importa ao debate sobre a Inteligência Artificial, um toque seria, talvez mais adequado do que uma longa dissertação. Se podemos oferecer o nosso, pensamos que, se a Natureza ou o Criador nos deram um cérebro dividido em dois hemisférios com diferentes funções, tiveram suas próprias razões.
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