Resenha: “A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciências”.

Por Pedro Monteiro Bittencourt
Revisão: Jeffrey de Cássio Toledo

O texto analisado é de Martha Marandino, graduada em biologia pela Universidade Santa Úrsula e com mestrado e doutorado em educação pela PUC-RJ e USP, respectivamente. Especializada em educação não formal, sua principal área de pesquisa está relacionada à educação em museus e divulgação científica. Seu texto “A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência” foi publicado na revista “História, Ciências, Saúde – Manguinhos”, editada pela Casa Oswaldo Cruz.

A autora inicia seu trabalho refletindo sobre os debates quando à divulgação da ciência. De um lado, vê-se esta divulgação como uma excessiva 'simplificação' do conhecimento científico, visão esta, como recorda a Marandino, que mantém o status quo dos cientistas e dos pesquisadores, ao dizerem que o público de uma maneira geral não está apto à conhecer ciência. Enquanto por outro lado, se tem a noção de que o maior acesso ao conhecimento científico é fundamental, afinal uma das finalidades deste conhecimento ao ser apropriado pela população geral funciona como “forma de inclusão social” [1]. A ciência – e naturalmente a divulgação científica –, deve ser entendida como fruto das relações de poder historicamente construídas.

Um problema relatado por Marandino, frequentemente debatido quanto à divulgação, é a tendência a este conhecimento ser repassado de uma maneira onde estas relações de poder são ignoradas, “descolando” então a ciência de seu contexto sócio-cultural de produção. Tanto em um ambiente escolar ou em um local de educação não-formal, como um museu de ciência com suas particularidades, é importante recordar que “toda mensagem educativa é sempre algo mais que transmissão de conhecimento, uma vez que é também uma mensagem política e moral”. [2]

O meio de ensino deve ser entendido também em sua capacidade de produzir conhecimento, não apenas divulgá-lo. O conhecimento escolar e o científico são áreas separadas, cada uma com suas particularidades, ou seja:

“Entendemos que os objetivos de ensino são diferentes dos objetivos de produção da ciência e que, portanto, não se pode exigir que a escola – ou qualquer outra instância de ensino e divulgação da ciência – tenha de reproduzir a lógica e a estrutura do conhecimento científico.” [3]

A autora posiciona-se então neste debate, ao reafirmar a importância do entendimento da “cultura escolar”, que, ao adaptar o conhecimento científico forma também saberes “intermediários”, que são então particulares a este meio, e não necessariamente inferiores ao conhecimento científico. Por realçar a questão da diferença entre o meio acadêmico e o escolar, Marandino inicia então uma análise de algumas propostas de autores quanto a maneira com que esse conhecimento é apropriado e passa por transformações na escola.

A transposição didática de Chevallard, que relata então esta transformação no âmbito escolar, realizada pela “noosfera”, que seriam os personagens – professores, universidades, secretarias de ensino, etc. -, que exercem essa adaptação no discurso, passando do “saber sábio” - o científico – ao “saber ensinado”. Mesmo caracterizando a noosfera, a autora recorda que Chevallard não se dedicou à questão das relações de poder presentes na própria noosfera, problema este que, para Marandino, encontra respostas mais satisfatórias com o conceito de recontextualização de Bernstein. O discurso recontextualizador seria o meio pelo qual a produção científica é adaptada pelo discurso pedagógico.

Algumas das críticas aos trabalhos de Chevallard também se dão quanto à importância do “saber sábio” como referência para o “saber ensinado”, e mesmo à sua concepção do que é o “saber sábio”. Ele levou em consideração especialmente a matemática ao determinar o “saber sábio”, no entanto cada disciplina também possui suas especificidades e este saber não é sempre necessariamente consensual entre os pesquisadores, havendo debates e discordâncias dentro da própria academia. Além disso, há temas em comum entre disciplinas diferentes, sendo que cada uma os aborda seguindo a sua própria metodologia, ou seja, especialmente quando se trata do conhecimento produzido e transmitido nos museus de ciência “o fato de os conceitos escolhidos serem tratados por diferentes áreas da ciência aponta para a interdisciplinaridade de determinados conteúdos […] tornando ainda mais difícil analisar a origem desses conceitos no saber sábio”.[4] 

Para a autora, esses debates sobre a divulgação científica devem, logicamente, serem estendidos também à museus de ciência e outros meios de educação informal, levando sempre em consideração também suas particularidades. O discurso produzido para uma exposição deve ser entendido como linguagem e está sob suas três lógicas, levantadas por Davallon; seriam a lógica do discurso, do espaço e do gesto. Estas três características estariam presentes primeiro na produção e preparação da exposição a serem realizadas; o segundo momento é o da montagem da exposição segundo trabalho coletivo; e o terceiro é a chegada e compreensão do visitante. Assim como a autora entendia a existência de uma “cultura escolar”, os museus também possuem uma própria:

“Herrero propõe que o museu seja considerado uma casa da cultura científica, a englobar fatores como a história de criação do conhecimento científico, seu contexto acadêmico-político e a seleção e priorização do conteúdo científico por uma comunidade que tem um marco interpretativo particular, constituindo o discurso museográfico pelo qual o conhecimento científico é transmitido.” [5]

Marandino reflete então, mais uma vez, sobre o caráter sócio-cultural da produção científica, que não está ausente nos museus de ciência, já que estes contém também sua própria noosfera, com suas próprias relações de poder. A adaptação do discurso expositivo acontece então de maneira semelhante ao do pedagógico, partindo do princípio de recontextualização de Bernstein, no entanto “as finalidades de divulgação/comunicação/educação definem o modo de produção desse discurso”[6] .  Por isso, para a autora, o destaque final se dá quanto à participação dos educadores na produção do discurso dentro do museu, entendendo esta produção em toda sua complexidade.

[1]  MARANDINO, Martha. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v. 12, 2005. p. 162

[2] MARANDINO, Martha. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v. 12, 2005. p. 163

[3] MARANDINO, Martha. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v. 12, 2005. p. 165

[4] MARANDINO, Martha. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v. 12, 2005. p. 170

[5] MARANDINO, Martha. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v. 12, 2005. p. 175

[6] MARANDINO, Martha. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v. 12, 2005. p. 177

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