ROMA ANTIGA – PRIMEIRA PARTE: OS GLADIADORES

Por: Tiago Henrique Da Luz

OS GLADIADORES E OS JOGOS VIOLENTOS


Figura 01 - Lamparina retratando gladiadores de 
tipo mirmilhão e trácio. 
Fonte:  www.utexas.edu
Por que os jogos de gladiadores da Roma Antiga nos causam tanto impacto, depois de dois milênios? O que há de atraente (ou repulsivo) naqueles combates em que a força, a violência e a morte se transformavam em espetáculo de diversão?

Para começar, “violência” é algo difícil de avaliarmos. A palavra deriva de vis, que significa “força” em latim, idioma falado pelos romanos. Assim, se poderia perguntar que sentido tinha para eles a prática desses jogos que podiam resultar (mas não necessariamente resultavam) na morte dos competidores (GUARINELLO, 2007, p. 125).
Por algum tempo se considerou tratar de uma manobra que usava de “pão e circo” a fim de alienar da política a população pobre de Roma e das províncias, apelando a seus “instintos baixos e vis”; no entanto, sabe-se hoje que os jogos tinham um caráter muito mais complexo: os grupos sociais dominantes – inclusive os imperadores – estavam diretamente envolvidos na realização e financiamento dos jogos e até mesmo participavam como lutadores na arena (GUARINELLO, 2007, p. 128).
Os combates aconteceram por vários séculos, mas originalmente estavam associados a um ritual funerário de homenagem a um morto e, durante o período republicano (509 a.C. – 27 a.C.), foram raros; se tornaram mais frequentes durante o Império (27 a.C. – 395 d.C.), espalhando-se por toda a sua extensão, mas ainda mantendo um caráter sagrado.
Guarinello (2007, p. 128) esclarece que o papel dos anfiteatros era como “uma espécie de microcosmo da sociedade romana”, ou seja, era parte da vida cotidiana e ao mesmo tempo um reflexo dela. Assim o autor caracteriza tal recinto:
Os assentos eram repartidos segundo as classes da população e o próprio anfiteatro era um espaço onde a população, não apenas via, mas se fazia ver e ouvir, no qual imperador e plebe, dirigentes e dirigidos, se confrontavam face a face, onde o anonimato da massa conferia força e consistência para o apoio ou as reivindicações da plebe. Nesse espaço, sagrado e mundano, as lutas entre gladiadores ocupavam um lugar especial, ao mesmo tempo de honra e degradação.

O juramento feito pelos gladiadores – e que chegou até nós através de Petrônio: “juro deixar-me ser queimado, amarrado, chicoteado, morto pelo ferro e qualquer outra coisa que meu senhor ordene” – poderia ser considerado degradante, e submeter-se a esta condição certamente o era, especialmente para um homem livre. No entanto isto não impediu que a elite participasse dos jogos, apesar da tentativas de vedar o acesso à gladiatura através de diversas leis imperiais.
Ao fazer o juramento, o gladiador se transformava num “ser sagrado”, para o qual “a dor e a morte deixavam de ser ameaças terríveis para se tornarem parte corriqueira da vida”. Sendo derrotado, não deveria lutar inutilmente por sua vida, mas oferecer o pescoço ao adversário e à platéia, “transmutando a vida num combate glorioso” que culminaria numa morte digna. Seria, portanto, uma espécie de modelo de realização humana; era precisamente a violência que dava sentido à honra, à fama e à coragem (GUARINELLO, 2007, p. 129-131).


MAS NEM TUDO ERA VOLTADO À MORTE...
Nas últimas décadas, vários estudos tem se voltado a compreender os aspectos mais pessoais da vivência cotidiana dos romanos antigos, ao invés de considerar a população como uma massa violenta e alienada politicamente. Contribui para isso, por exemplo, a pesquisa arqueológica e epigráfica. Segundo Garraffoni (2005, p. 249-250), os grafites são “pequenas inscrições sulcadas com estilete” nas paredes, com a intenção de registrar uma insatisfação, uma piada, uma declaração de amor e, assim, consistindo numa importante fonte de informações.

Através destas pesquisas, foi possível saber que Inacrio, um gladiador da escola Iuliana, uma das mais importantes da região da Campânia (ao sul da Itália), foi perdoado, apesar da derrota que sofrera, enquanto outro gladiador, chamado Prisco, da escola Neroniana, era um lutador liberto e, tendo perdido o combate, foi condenado à morte. Isso tudo demostra o envolvimento da platéia romana com seus gladiadores favoritos, suas emoções diante da vitória ou derrota, eternizadas naquelas paredes (GARRAFFONI, 2005, p. 252).
Outro objeto de estudo muito interessante são as lápides funerárias dos gladiadores, já que se referem ao gladiador como pessoa. Muitas das lápides podem ter sido feitas por pessoas de origem popular, já que as letras não estão dispostas regularmente; muitas delas trazem o nome do gladiador, o tipo de arma que usava, o local de nascimento, o número de lutas e vitórias e uma dedicação aos deuses.

Uma delas foi encontrada na região de Córdoba, atual Espanha, por exemplo, e dedica-se a Cerinto, de origem grega, gladiador de tipo mirmilhão, da escola Neroniana que morreu aos vinte e cinco anos. Sua lápide, que foi paga pela esposa chamada Rome, também escrava, e inclui um pedido que revela a imagem que se desejava deixar junto àquele que se deparasse com ela e lesse seu epitáfio: “Passante, te peço, digas que a terra seja leve” (GARRAFFONI, 2005, p. 257).

http://www.utexas.edu/courses/introtogreece/gladiators/ob%20graffiti.jpg
Figura 02: Grafite representando uma luta entre Attilus e Hilarus.
Fonte: www.utexas.edu

PARA SABER MAIS

Trechos de entrevista sobre aspectos da vida em Pompéia, com Pedro Paulo Abreu Funari, historiador e arqueólogo
http://www.youtube.com/watch?v=n1eIV8LHjGE
http://www.youtube.com/watch?v=hLgrKEFYlyc
http://www.youtube.com/watch?v=ACryKT-sBQU
http://www.youtube.com/watch?v=u4Pvd_5qq34

REFERÊNCIAS:

GARRAFFONI, Renata Senna. Contribuições da Epigrafia para o estudo do cotidiano dos gladiadores romanos no início do Principado. História, Franca, v. 24, n. 1, 2005. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-0742005000100010&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 2014.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-90742005000100010.

GUARINELLO, Norberto Luiz. Violência como espetáculo: o pão, o sangue e o circo. História, Franca, v. 26, n. 1, 2007. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742007000100010&lng=en&nrm=iso
Acesso em 2014.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-90742007000100010.
FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Grécia e Roma. 4ª. Ed. São Paulo: Contexto, 2006.

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