Entendendo as novas formas de arte de rua - Parte I

Fonte: Canal Plástico urbano - Flickr.

Resenha do texto: APOLLONI, Rodrigo Wolff. “O Koan no Muro”: Configuração, Observação e Troca de Registro Psíquico nas Artes Gráficas e Plásticas de Rua Baseadas no Papel. Curitiba, 2011. (p 1-86)

No panorama das artes ditas "de rua", são conhecidas o graffiti e as pichações, as quais surgiram nos anos setenta e as artes gráficas de rua que são as manifestações mais recentes. Este tipo de arte está ligado de alguma forma com o papel; são os estênceis, lambes (cartazes), stickers (adesivos), a relação entre varias técnicas ou até elementos em três dimensões.

O autor explica que esta nova expressão é a forma atual de uma objetivação ou exteriorização subjetiva arcaica ou rupestre, nascida da oposição x composição de dois impulsos: “o de Potência – criativo, disruptivo, lúdico, neotribal e eXtremo –, e de Poder – organizador, normativo, institucional e extremo.” (APOLLONI, 2011.p 15)

As produções aqui elencadas são de 2007 a 2009 e foram realizadas em Curitiba. Elas têm o intuito de representar aspectos da nova arte gráfica e plástica de rua mencionada acima. As escolhas pretendem também, historicizar as formas de “arte de rua”, aplicando as ideias e teóricos dispostos na tese.

Para o autor, a estrutura de comunicação desenvolvida no período arcaico é a mesma realizada pelos grafiteiros e pichadores e, agora, aos mais recentes, os artistas plásticos de arte de rua. Agora, no entanto, estas formas são renovadas, até porque surgem neste momento tecnologias que permitem uma série de experimentações, sempre em mutação e com possibilidades novas.

Antecedentes históricos e elementos constituintes do grafitti, do pixo e da arte gráfica de rua. Retiro três momentos explorados no trabalho de Apolloni: do Paleolítico ao Romantismo; os princípios de ingresso nos espaços da metrópole, e prevalência no meio urbano; o inicio do grafite nos anos sessenta e setenta em Nova Iorque e Paris  e a configuração atual.

Fazer um paralelo (didático) guardadas as circunstâncias, do objetivo contido na tese de Apolloni: “desejo de preservação do valor original da obra materializada no espaço público, afastado de ―tentativas posteriores de explicação de seu significado pelos criadores.” Isto é, nos traços que a definem e no momento em que o artista a aplica no suporte urbano. Tendo em vista estes procedimentos teóricos e replicando no projeto, um dos fenômenos interessantes do “passeio” do observador seria o aparecimento repentino das fotos de obras, provocando - o olhar do observador, fazendo destoar do que se espera ver numa instituição. Pretendendo assim, estimular a absorção de elementos imateriais contidos nas mensagens dos artistas; e a aproximação despreocupada da foto das obras com o observador.

Segundo Rodrigo Apolloni, os trabalhos analisados demonstram invenção artística, uma forma de rebeldia contra a sociedade normativa e ludicidade.

Para explicar os Princípios de Potência e Poder, o autor utiliza as definições e explicações do criador dos termos - Michel Maffesoli. Rodrigo Apolloni diz que a arte rupestre e as artes gráficas compartilham  uma pulsão ou  “Potência”. Apolloni explica usando as palavras de Maffesoli que “a abertura para os outros, para o Outro” a empatia, a valorização do local são características de um princípio essencial à existência e à sobrevivência da humanidade... “Ele se manifesta por meio da “proxemia” (predominância da comunidade sobre o indivíduo e das pequenas histórias sobre a História) e do “tribalismo” (predominância das decisões locais sobre as decisões políticas)”... “Conforme a época e em função de diferentes fatores, ele predomina sobre ou é parcialmente submetido ao princípio do ―Poder, que se manifesta pela institucionalização, positivação, estímulo ao individualismo e produção de uma estrutura de governo afastada das pessoas a ela submetidas.” (IDEM. p25)

A intenção no texto é utilizar o exame das artes gráficas de rua e fazer um recorte da visão panorâmica elencada pelo autor. Mantendo do modo mais coerente a ideia sobre a intrínseca e disruptiva Potência maffesoliana, além da ideia histórica de conectar as evoluções formais que ligam as antigas às recentes expressões.

O autor periodiza os antecedentes da arte de rua da seguinte forma: “A primeira - Grafite Arqueológico‖) abrange o período que vai da Pré-História à década de 1960; a segunda - Grafite Metropolitano‖), o período da década de 1960 a meados da década de 1980; e a terceira - Grafite Transtribal), de meados da década de 1980 aos nossos dias.” (IDEM. P.29)

Apolloni afirma que as antigas paredes abrigavam obras produzidas tanto no contexto do Poder quanto no da Potência. Explica que não existem materiais concretos e seguros que afirmem sobre os “artistas” e as intenções de suas expressões. Através dos estudos de inúmeras obras, fósseis e peças do Paleolítico Superior de Leroi-Gourhan, Apolloni nos traz a informação de que em suas expressões havia “configuração psíquica muito próxima à nossa, e que expressavam suas inquietações de modo semelhante. A objetivação de conteúdos psíquicos por meio de símbolos gráficos seria, mesmo, anterior ao Homo sapiens, chegando a 60 mil anos no passado, entre o declínio do Homem de Neanderthal e a ascensão do Homem de Cro-Magnon (...).”((IDEM.  35)  [ figuras 1 e 2 ]

Figura 1: Cova das mão na Patagônia ca 9000ac.

Figura 2: Arte rupestre Espanha Ca 9000 ac. Fonte: Wikipédia

Aqui, as conclusões do teórico Guhtrie citado por Apolloni :

“Ao contrário do que afirma a literatura popular, muitos dos trabalhos do Paleolítico não parecem trazer nenhum elemento ritual ou mágico, mas, de fato, expressam temas mais casuais e terrenos. A maioria foi feita de forma rápida e se mostra eventual e indisciplinada, com obras sobrepostas, incompletas e, muitas vezes, tortas em seus traços. Eu encontrei muitos dos detalhes nos quais estava inicialmente interessado em padrões inesperados. Há diversos desenhos paleolíticos ―menores‖ raramente reproduzidos em livros de arte. O trabalho forense aplicado a marcas fósseis de mãos dos artistas mudou profundamente a forma como eu via essa arte: descobri que pessoas de todas as idades e de ambos os sexos produziram arte, não apenas idosos xamãs homens. Ao longo desse processo, meu interesse [inicial] nos padrões evolutivos e comportamentais dos grandes mamíferos lanosos transformou-se em um estudo dos artistas do Paleolítico e da evolução da sua arte". (GUTHRIE 2006: IX)

O autor destaca que a cidade de Pompéia em Roma, destruída por um vulcão em meados do séc. I, guarda uma série de grafites históricos, também chamados estênceis e que se tornaram objeto de estudo arqueológico recente. Segundo Apolloni, chama atenção a vitalidade das expressões cotidianas e corriqueiras dos moradores da região, sabendo ser esta vitalidade um dos caminhos rumo ao conhecimento do ser humano. 

“São desenhos e grafismos em princípio ―clandestinos que transportam assinaturas, xingamentos, poemas, declarações de amizade, visões infantis de mundo, afirmações de proezas sexuais e comentários ofensivos ou jocosos. São, enfim, o que poderíamos identificar como objetivações da torrente subterrânea, obscura e ígnea que subjaz à vida, alimentando-a e a recriando. Essa energia é percebida na caricatura deixada na parede de um salão de umas das principais residências de Pompeia (...), na mensagem riscada em um muro para celebrar uma amizade (...), em possíveis grafites infantis (...) ou em grafismos diversos (...)”(APOLLONI,2011. p.41)
Figura 3: Pintura em bordel em Pompéia. Fonte: Wikipédia.

Por Eloana Santos Chaves, Huellingnton Robert da Silva, João Marcos Alberton


REFERÊNCIAS:

APOLLONI, Rodrigo Wolff. “O Koan no Muro”: Configuração, Observação e Troca de Registro Psíquico nas Artes Gráficas e Plásticas de Rua Baseadas no Papel. Curitiba, 2011. (p 1-86)

Postar um comentário

0 Comentários