Desmistificando o Saber Geográfico (parte II) – A Geografia da Espetacularização

Uma terceira forma de cartografia e representação do espaço se desenvolveu com a evolução das tecnologias audiovisuais: a Geografia Espetáculo. Essa geografia serve de pano de fundo estético, publicitário e cinematográfico para a apreensão do telespectador. Essa geografia também é feita inconscientemente por todos aqueles que, por exemplo, munidos de câmeras fotográficas, registram o momento e a paisagem conforme suas vontades. Pela expansão do mercado turístico, essa geografia, regada pelos estereótipos territoriais e culturais, se tornou um produto altamente consumido pela voracidade das massas (LACOSTE, 2005). 

Tal Geografia do mass-media transmite discursos impregnados de significados políticos e ideológicos por meio dos estereótipos culturais e estéticos ou dos exotismos da paisagem, que acabam por simplificar o desconhecido, tornando-o inferiorizado e caricatural. Um clássico exemplo aparece com as obras da Walt Disney, como os quadrinhos do Pato Donald e sua turma, que se alimentam insaciavelmente de estereótipos culturais e territoriais a fim de construir um mundo facilmente inteligível, sem gravidade, onde a exploração e a subserviência são naturalizadas e ganham ares de benevolência (DORFMAN e MATTERLART, 1977).

Figura 1: O bom selvagem pela ótica da Disney e sua Geografia do Espetáculo. Ele é feliz e conformado, cortês e exótico. Conquistado pelo carisma do Pato Donald (que encarna o capitalismo desbravador dos EUA), ele não se preocupa ou não percebe o quão é espoliado e enganado pela “amigável” ganância da corporação do Tio Patinhas. Trata-se de uma propaganda do neocolonialismo ofensivamente direcionada às crianças. Extraído de Para Ler o Pato Donald, p. 60.

Alguns quadrinhos do Pato Donald e sua turma, por exemplo, mostram uma clara propaganda do neocolonialismo, usando-se de uma geografia espetáculo estereotipificante, em que o desconhecido e diferente é simplificado por meio de uma linearidade cômica e apelativa. Essa ideologia do imperialismo moderno é digerida pelos povos explorados por meio dessa Geografia do Espetáculo ou mesmo pela Geografia Escolar, tornando-os pacificamente exploráveis. 

A brandura substitui a violência direta, típica do modelo colonialista, e a exploração acontece antes culturalmente e, depois, como atrativo civilizatório, salvador e messiânico sobre os outros povos. Isso é ainda mais preocupante quando tratamos de produtos culturais voltados aos públicos infantis, desprotegidos e inocentes para refletir e discernir sobre conteúdos políticos e, portanto, facilmente influenciáveis (DORFMAN e MATTELART, 1977).

A enumeração de conhecimentos distintos que a geografia escolar faz parece, à primeira vista, inútil ou simplesmente recreativa. Da mesma forma que parece inofensiva e divertida a representação dos povos e nações feita indiscriminadamente pela mídia de massa. No entanto, esses conhecimentos quando articulados e estrategicamente interpretados ou quando reproduzidos num tom de propaganda ideológica, servem a Geografia dos Estados-maiores, as elites militares, políticas e econômicas, como grandes corporações midiáticas qual a Disney, que conseguem extrair dela <a Geografia> ideias e práticas para estender sua influência e poder, isto é, exercer uma nova espécie de domínio sobre outros povos e territórios. Cabe aos geógrafos, portanto, desmascarar essas geografias corriqueiras e oportunistas e revelar a verdadeira natureza política desse conhecimento, suas aleivosias, vícios e perigos e também suas mais humanas virtudes. 

Figura 2: Extraído de Para Ler o Pato Donald, p. 133.
Por Anderson Rodrigo Pereira da Graça


REFERÊNCIAS:

LACOSTE, Yves. A geografia - isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. 9. ed. Campinas: Papirus, 2005. Tradução de Marília Cecília 
França.

GODOY, Paulo R. Teixeira de (Org.). História do Pensamento Geográfico e Epistemologia em Geografia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

DORFMAN, Ariel; MATTELART, Armand. Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1977. Tradução de Alvaro de Moya.

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